
Faço há tempos um
questionamento que envolve a liberdade de imprensa, os programas policiais
sensacionalistas e a responsabilidade pelas informações levadas ao público,
particularmente na divulgação de conhecimentos não necessários (referentes a
crimes em geral). Para ter uma opinião mais abalizada do assunto passei a
observar por meses os canais de televisão e os programas policiais e cheguei a
algumas conclusões que serão expostas a seguir.
O papel da imprensa e
os excessos em alguns programas policiais
Sem dúvida e pelas
características democráticas em que vivemos há que se respeitar
incondicionalmente a liberdade de imprensa, desde que esta não prejudique
objetivos de segurança ou interfiram em assuntos policiais que não deveriam ser
divulgados. Minha formação é voltada para a análise na Área de Inteligência que
trata em sua enorme abrangência, também, da proteção dos conhecimentos sobre
segurança operacional.
Há vantagens em
divulgações do "modus operandi" dos criminosos?
Vamos analisar
primeiramente da seguinte forma: qual a vantagem da imprensa, dos repórteres,
divulgarem detalhes dos crimes praticados em seus programas? Na maioria das
vezes o que ocorre nas reportagens sobre a criminalidade, (sequestros, assaltos,
roubos ou furtos) é que as técnicas utilizadas pelos marginais são divulgadas em
detalhes, para todo o Brasil, o ano inteiro.
Quero dizer com isso
que os crimes, os atos delituosos, devem sim ser noticiados sem a menor sombra
de dúvida. Mas não os detalhes das operações policiais, o acompanhamento e
divulgação dessas operações e seus detalhes pela imprensa, o modo de agir dos
criminosos, as técnicas utilizadas para os assaltos, sequestros etc.
Assim, na maioria das
entrevistas sobre crimes, os integrantes de órgãos policiais ao serem
entrevistados, muitas vezes pelo despreparo, informam todos os detalhes "ao
vivo" e às vezes em "rede nacional", detalhes esses que deveriam possuir
características de sigilo para as investigações e que em nada levam de
proveitoso para a população.
Essas ocorrências
deveriam ser observadas pelas autoridades que se dizem entendedoras de segurança
pública e da operacionalidade policial e todas as questões nela envolvidas.
Seria importante que
os próprios organismos policiais divulgassem com maior freqüência suas Dicas de
Segurança para a população, com informações sobre locais mais perigosos da
cidade, cuidados a serem tomados, procedimentos utilizados pelos bandidos e como
a sociedade pode se defender disso tudo.
Verdadeiras aulas de
criminalidade
A televisão é vista
em todo o Brasil através de suas redes nacionais. Apenas por exemplo: quando um
crime é praticado em uma cidade do interior do Estado de São Paulo, e esse crime
é alvo de uma reportagem sensacionalista por parte da imprensa, o que ocorre
mesmo é a disseminação das técnicas utilizadas pelos marginais para a prática do
delito para todo o país, nas mais diferentes e distantes regiões brasileiras.
Ora, caso uma pessoa
já seja praticante de pequenos delitos em qualquer parte do país, vamos supor,
no interior de estados nordestinos, essa pessoa vai se "enriquecer" com os
conteúdos ministrados pela televisão, ou seja, todos os detalhes da prática
delituosa, horários, "modus operandi", formas que a polícia usou (ou não usou)
para o combate etc. Saberão o que "deu certo" e o que deu errado e assim poderão
melhorar seus esquemas criminosos.
"Material didático"
para o aprendizado ou aperfeiçoamento do crime!
Nesta semana mesmo
vimos na televisão as últimas técnicas da "saidinha bancária" empregadas em
alguns estados brasileiros, mas que logo estarão sendo aplicadas em praticamente
todos, porque foram muito bem explicadas pela televisão! É como se os telejornais e os programas
policiais, que tomam os principais horários, tivessem de forma implícita uma
seção "Aprenda as últimas novidades e pratique seu delito com mais qualidade".
Os programas
destinados à divulgação de ocorrências de crimes, sobre a área policial,
violência urbana etc. dão IBOPE, como se diz. E as emissoras, por defenderem
seus interesses econômicos e pela própria concorrência, usam e abusam do
sensacionalismo, com suas poucas exceções, é claro.
Assim, no atual
quadro se situação, não observamos ainda nenhuma autoridade se pronunciar sobre
o assunto. E em um ano político, pelo menos, seria por demais oportuno que o
tema fosse investigado, pois a persistir do jeito que está os "alunos" têm em
suas casas farto "material didático" para o aprendizado do crime, como
entrevistas, filmes, gravações, escutas, tios de golpe e de assaltos, modalidade
de roubos etc.
Países mais avançados
têm uma legislação que permite apenas a divulgação dos fatos, de forma apenas a
dar o conhecimento com o objetivo do cidadão se proteger, ou das autoridades
melhorarem a segurança. Exemplo de notícia correta: houve um assalto a banco em
determinada localidade e os assaltantes tiveram êxito (ou não). Mais nada
deveria ser falado, coisas como: chegaram à cidade, foram à Delegacia e
prenderam primeiramente os policiais e em seguida praticaram o assalto com
relativa tranqüilidade. Custei a escrever aqui o detalhe e só o fiz porque a
televisão faz isso todos os dias! Um absurdo, em se tratando de segurança
pública.
Nos casos de assaltos
a banco ou a terminais bancários, as reportagens exibem as filmagens, dizem
quantas pessoas (assaltantes) participaram da ação, as técnicas empregadas, o
horário, como transportaram o produto do roubo (tipo de veículo utilizado), o
armamento que os meliantes usaram e por aí segue. Mais uma vez, em cada caso os
praticantes de delitos aprendem detalhes, aprimoram suas técnicas, observam os
locais que são mais policiados e assim evoluem dia a dia! Com a ajuda da
televisão e complacência das autoridades e das leis que permitem esse tipo de
divulgação.
Entrevistas com
policiais e outras autoridades da área de
segurança
Quando agentes
policiais são entrevistados (soldados, oficiais, delegados) por vezes respondem
a perguntas infelizes sob o ponto de vista da segurança, (mas felizes para o
lado da criminalidade). As respostas dos entrevistados às vezes por despreparo,
outras para atender ao próprio "ego", solta o verbo... E falam demais. Dizem
quem já foi identificado, quem não foi, as dificuldades da operação, ou o pior:
como os criminosos foram presos, porque, quando, onde, que falhas cometeram etc.
Essas respostas policiais são bem intencionadas, mas como diz o ditado "inferno
é cheio de boas intenções"...
E assim, como
resultado ou conseqüências: os outros criminosos que assistem às matérias
aprendem e podem, com os dados obtidos, corrigir, aperfeiçoar suas técnicas no
crime. E isso tudo divulgado no país inteiro de graça. Um verdadeiro Curso
Técnico do Crime com aulas diárias.
Poderia escrever mais
dezenas de exemplos, tendo em vista que o assunto é muito sério e merece uma
avaliação mais profunda. As autoridades, governantes e legisladores (municipais,
estaduais e federais) devem se voltar para o estudo deste problema.
Esta matéria é
destinada ao público em geral, aos políticos (legisladores) e às autoridades das
áreas de segurança. É preciso que a lei assegure a liberdade de imprensa, desde
que essa liberdade não provoque prejuízos lamentáveis para a própria população,
como as aulas de criminalidade diárias que o Brasil disponibiliza em suas
mídias, particularmente pelas televisões, em seus programas policiais.
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