Foi bem assim: época de carnaval e nosso Conjunto Big Brasa tinha sido contratado para animar quatro bailes no Clube Recreativo Cascavelense (CRC). O ano: 1980. Tudo acertado. Então resolvemos alugar uma casa em Cascavel para que nosso pessoal todo (músicos, técnicos auxiliares e “bigus”) ficasse em segurança depois dos bailes, tendo em vista que o deslocamento para Fortaleza, após as festas, seria inviável e muito perigoso, além de encarecer consideravelmente os custos daquela empreitada. E isso foi feito normalmente.
Contrato registrado na Ordem dos Músicos
A profissionalização e o respeito às regulamentações sempre nortearam as ações do Conjunto Big Brasa, seguindo as orientações que recebi de meu pai, Alberto Ribeiro, até quando completei meus 18 anos e segui em frente administrando o Conjunto Big Brasa. Partindo deste princípio tínhamos todos os contratos registrados na Ordem dos Músicos, no Sindicato dos Músicos e, quando necessário, na Delegacia Regional do Trabalho, no Ceará (DRT-CE). Este contrato foi por mim postado no Facebook, em um grupo que mantemos sobre o período. O valor contratado foi de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil cruzeiros), que sinceramente não sei dizer ao que corresponderia na atualidade! Uma cópia deste Contrato está abaixo, com a relação dos músicos, para detalhar e registrar para os amigos como talvez um documento "relíquia". As demais imagens apenas para ilustrar nais este pequeno traço de memória.
Os bailes de carnaval em Cascavel
E iniciamos o carnaval: todos os equipamentos montados no CRC, algumas caixas de som instaladas na parte superior da estrutura do salão de forma a bem distribuir as vozes e os sons dos instrumentos para todos os presentes de uma forma melhor possível. Infelizmente não temos registros fotográficos da época, apenas uma imagem de um de nossos transportes e de parte de nosso equipamento de som, na sede do Conjunto Big Brasa.
Uma conferência complicada
E começamos a tocar o carnaval. Primeira festa, tudo normal e dentro do esperado. Apenas vale lembrar a dificuldade que o nosso grupo teve para contar a importância recebida no primeiro dia, que depois foi acertada pelos dirigentes do Clube (os contratantes, no caso). Foi assim: após o encerramento da primeira festa, quando nosso pessoal iniciava o desligamento e guarda dos instrumentos, inesperadamente (talvez na ânsia de pagar logo o Conjunto) chegou uma pessoa vinda da Secretaria do Clube com um jornal estirado, um embrulho, subiu ao palco e disse para mim que era o dinheiro correspondente ao primeiro dia de carnaval (uma desorganização total nas cédulas).
Pois bem, olhando para “aquilo” tive a ideia de chamar o amigo e nosso pistonista Mairton Vitor dos Santos (in memoriam) para me ajudar na contagem do dinheiro, porque ele na época era funcionário de um banco de Fortaleza, exercendo a função de Caixa. Portanto, tinha mais prática do que eu na conferência, no manuseio de cédulas. Imaginem a cena: eu e o Mairton, em uma salinha na lateral do palco, para contar o dinheiro. Pois bem: colocamos o jornal no chão, com aquele monte de dinheiro miúdo em pacotes e começamos a contar. Pasmem: dificilmente um pacote exato de R$ 100.00 (cem cruzeiros)! O Mairton não parava de rir e uma hora disse: “que marmota é essa, rapaz, está tudo errado aqui!” Porque tinha pacote com 95, 105, 90 cruzeiros e daí a diferença começou a ficar grande, contra nós, ou seja, faltando dinheiro. Interrompemos a contagem, eu juntei tudo aquilo e fui, no meio de muitos foliões que ainda circulavam pelo Clube, devolver a grana na Secretaria. E informei: “olhem pessoal, neste início já estão faltando R$ 400 cruzeiros. Vocês confiram aí direito e depois nos pagam”. E eles assim o fizeram. Depois de uma meia hora retornaram com a importância certa.
Ameaça de multa e notificação, por um “fiscal” da Ordem dos Músicos
O fato principal – e inusitado - ainda estava por acontecer: no segundo dia a festança carnavalesca tece início. A orquestra Big Brasa iniciou com muita animação. Tocávamos marchinhas e tínhamos ensaiado com instrumentista de sopro que não participavam do Conjunto Big Brasa normalmente. Eram contratados apenas para os bailes de carnaval. Participavam da festa, no Conjunto Big Brasa, o amigo Marcílio Mendonça, excelente cantor, além de músicos como o Edir Bessa (nas percussões) o próprio Mairton (como pistonista) e eu, João Ribeiro, guitarra e teclado, além de outros músicos. Todo mundo registrado no Contrato, na OMB, conforme o que determina a legislação.
Um diretor do Clube cantando uma música!
Nós, dos conjuntos musicais, podemos controlar muita coisa em um palco, mas dificilmente impedir que um diretor de clube, por exemplo, que soubesse e tivesse vontade de cantar uma marchinha de carnaval conosco. E foi o que aconteceu. Ele subiu ao palco e pediu para cantar um pouco uma determinada música, que eu não lembro qual era (que estava sendo tocada na hora). E cantou por alguns e poucos minutos, normalmente, após o qual nos agradeceu e desceu do palco para retornar aos foliões. Tudo na mais perfeita normalidade e sem nenhum incidente.
A fiscalização da OMB
Pois bem, no intervalo da festa, enquanto todos os músicos lanchavam e descansavam um pouco, fui chamado por duas pessoas que se identificaram como fiscais da Ordem dos Músicos (deveriam ter sido contratados para isso, para fazer uma fiscalização mais eficiente, porque a OMB não poderia ter pessoal suficiente para cobrir todo o Ceará em um carnaval).
Vendendo dificuldades para cobrar facilidades!
E o fiscal mostrou uma cópia do contrato, com nove músicos nele registrados, dizendo que tinha “mais um cantando, mas que não estava no papel...” E eu comecei a explicar para aquele fiscal que tinha sido um diretor do Clube que pediu para cantar aquela música etc. Explicava, mas o cara nem olhava direito, dizendo que iria autuar e multar o Conjunto.
Nesta hora o Mairton, que ouvia tudo ao lado, em pé, chegou para esse fiscal e perguntou, ironicamente, com aquela voz engraçada que ele tinha quando estava invocado: “Quer dizer que se tiver um galo no palco cantando você multa o conjunto?” No que o cara respondeu de imediato: “Multo sim, se tiver no palco eu multo!”. Achei um verdadeiro absurdo, muita ignorância, falta de preparo daquela pessoa. E eu retruquei no mesmo tom, firmemente: “Pois pode multar! Mas o faça logo porque temos que retomar a festa”.
Então o tal fiscal preencheu um documento e pediu para que eu assinasse (devia ser uma notificação). Eu nem li direito, tal a agitação, o nervosismo pela falta de bom senso daquele fiscal e assinei o documento. E eles foram embora. Não apareceram mais até hoje – O que pretendiam, “não colou” conosco. E a festa continuou normalmente e as outras noitadas também. Por sinal foi um dos carnavais mais animados que participei, junto a amigos músicos responsáveis, alegres, o que tornou fácil nossa organização.
O carnaval acabou e não recebemos nenhuma notificação da Ordem dos Músicos. Hoje concluo que aquele elemento, tal como é costume no Brasil até hoje estava criando dificuldades para cobrar facilidades. Queria naturalmente que nós pagássemos alguma coisa para ele não autuar o Conjunto. Mas nesse dia quem “dançou” foi ele mesmo. Porque não concordamos e não compactuamos com aquele mau funcionário. Fica aqui o alerta para os novos músicos profissionais.
Na primeira oportunidade em que eu estive na Ordem dos Músicos relatei o fato e pedi para ver a tal notificação, ou sei lá que tipo de documento tinha sido feito. E a resposta do Presidente da Ordem para mim foi de que “nada tinha sido observado contra o Conjunto Big Brasa em fiscalização nenhuma”. E ponto final.
Fica o registro desse episódio para que outros músicos, que agora iniciam, procedam da maneira correta e dentro da lei para ficarem sempre tranquilos.
Fica o registro desse episódio para que outros músicos, que agora iniciam, procedam da maneira correta e dentro da lei para ficarem sempre tranquilos.
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